quinta-feira, 1 de dezembro de 2011

A selagem da carne


Já ouviu certamente dizer que para cozinhar carne, por exemplo um bife ou um assado, deve iniciar com uma temperatura elevada, para “selar” a carne e evitar que os sucos se percam e ela fique seca, e prosseguir com temperatura mais baixa até atingir o ponto desejado. De facto, há décadas que esta explicação vem sendo dada e raros são os cozinheiros, profissionais ou amadores, que não a ouviram.
Há quem diga que a ideia se deve a Aristóteles. No entanto, segundo Harold McGee (“McGee on Food & Cooking – An Encyclopedia of Kitchen Science, History and Culture”), esta explicação foi dada por volta de 1850 por Justus von Liebig, um conceituado químico alemão que dedicou parte dos seus estudos a aspectos relacionados com a alimentação. Ela foi adoptada por chefes de cozinha, entre eles Auguste Escofier, e transmitida de geração em geração. Experiências realizadas em 1930 provaram que Liebig não tinha razão, que a crosta formada pelo aquecimento forte não retém os líquidos (“sucos”) existentes no interior da carne. Ou seja, não a torna impermeável. O resultado destas experiências tem sido confirmados por vários outros cientistas mas, mesmo assim, a “selagem” da carne continua a ser ensinada em muitas escolas profissionais.
Todos podemos constatar a permeabilidade da crosta formada a altas temperaturas quando ouvimos o som característico de um bife a fritar. De facto, este é devido à água que vai continuamente saindo da carne e que, em contacto com a frigideira quente, se vaporiza. Quando se deixa repousar o bife, depois de cozinhado, ele perde também alguns dos seus sucos.
As proteínas e a água são constituintes importantes da carne. Algumas dessas proteínas sofrem alterações quando sujeitas ao calor e ligam-se entre si, expulsando parte da água existente entre elas. Quanto mais forte for a ligação, mais água se perde, e mais dura e seca fica a carne. Por outro lado o colagénio, uma outra proteína, por aquecimento prolongado vai-se dissociando e dissolve-se, tornando a carne mais tenra. São estes dois factores que influenciam a textura final. A contribuição de cada um deles depende do método de cozedura, sendo este determinado pelo tipo de carne e o resultado pretendido.
A perda de água é proporcional à temperatura atingida pela carne. Quanto mais alta for, mais sucos se perdem. Já foi demonstrado que quando se “sela” a carne, aplicando um calor forte, ela perde mais água do que se for cozinhada a temperatura moderada.
Há, contudo, outro aspecto fundamental em cozinha - o sabor. E, deste ponto de vista, o calor intenso tem um papel importante. A temperaturas superiores a 150ºC os açúcares existentes naturalmente na carne reagem com amino-ácidos das suas proteínas e formam-se novas substâncias que dão cor e, sobretudo, sabor. Os cientistas estudam este processo complexo -  “reacções de Maillard” -  há mais de 100 anos e ainda não o esclareceram totalmente. Mas é certo que os processos químicos envolvidos na textura final da carne e aqueles que produzem as substâncias que dão sabor são diferentes.
Se a aplicação de calor forte é levada a cabo no início ou no fim, depois da carne ter sido cozinhada a temperatura moderada, tanto faz. O importante é que as tais “reacções de Maillard” ocorram. É que o sabor fica mesmo outro!

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