Canja
de galinha
para 6 pessoas
1 galinha com cerca de 1,5 Kg
2 l de água
100 gr de arroz
sal
Numa panela coloque a água com o sal e a
galinha deixando aquecer lentamente e tirando a espuma que se for produzindo.
Estando cozida deite o arroz e deixe-o
cozer por mais vinte minutos, com a panela tapada.
Repare
bem que a galinha é posta em água fria. Porquê? Fará diferença se a colocar em
água quente? Há quem diga que sim, que o caldo fica mais saboroso se a puser em
água fria, pois dará tempo dos seus sucos passarem para o caldo, que é como
quem diz que se vão extrair mais moléculas. Mas para se comprovar, é importante
fazer experiências, e sobretudo experiências bem planeadas para que os
resultados tenham significado.
Hervé
This fez a experiência, não com galinha, mas com carne, e as conclusões que
tirou foi que quando punha a carne em água a ferver a massa da carne diminuía
mais rapidamente do que num pedaço idêntico colocado em água fria (portanto inicialmente
até se estavam a extrair mais componentes da carne no caso da água quente). Mas,
ao fim de uma hora, os dois pedaços tinham a mesma massa. Em prova cega ninguém
conseguiu distinguir um caldo do outro. Embora para uma conclusão definitiva
fossem necessários estudos mais aprofundados, aparentemente obtêm-se resultados
idênticos.
O
que é importante é deixar cozinhar a galinha o tempo suficiente para que uma
grande quantidade das suas moléculas passe para o caldo e lhe dê sabor. Mas o
que vai acontecer é bem mais complexo, essas moléculas que passam para o caldo
vão decompor-se e reagir umas com as outras e vão dar moléculas diferentes que
enriquecem ainda mais o caldo.
Além
disso, é ainda importante que o colagénio, que é o principal componente do
tecido conjuntivo, e tem o papel fundamental de dar firmeza à carne (músculo),
à pele e aos tendões, se altere e se dissolva na água, dando gelatina. E isto
leva tempo…
Vamos
perceber melhor o que se passa com o colagénio, vai ver que é interessante. O
colagénio é uma proteína constituída por três cadeias em hélice, enroladas umas
nas outras, formando como que uma corda. Quando
se aquece colagénio acima dos 70ºC, rompem-se as ligações entre as cadeias, a
hélice tripla desenrola-se – diz-se que o colagénio se desnatura – e as cadeias
acabam por se separar e por se dissolver na água, formando-se aquilo a que se
chama gelatina.
Certamente
que já guardou canja no frigorífico e deve ter reparado que ela se transformou
numa massa gelatinosa. Há pessoas que pensam que é gordura, mas são apenas
proteínas que ficam dissolvidas no caldo e que dão “corpo” à canja e nos
alimentam. Quando a canja arrefeceu, a gelatina “prendeu”, ou seja, formou-se
um gel. As cadeias proteicas depois de separadas não voltam a enrolar-se como
originalmente, mas nos seus movimentos (porque as moléculas nunca estão paradas
e quanto mais calor, maior a agitação…) as moléculas aproximam-se umas das
outras, e ligam-se entre si nalgumas zonas. À medida que a temperatura vai
baixando, vai-lhes faltando energia para quebrarem essas ligações e acabam por
formar uma rede tridimensional que retém a água – ou seja forma-se um gel.
Vamos
agora ao arroz que adicionamos à canja. O arroz (Oryza sativa) é um cereal e as moléculas que o compõem são de
proteínas, lípidos (gorduras), sais
minerais e água, mas as que existem em maior quantidade são mesmo as dos
hidratos de carbono – cerca de 75%. Destes, grande parte é amido.
Para o nosso arroz, o ideal é mesmo o arroz carolino, dadas as características do seu amido.
Vamos
então ver o que acontece ao arroz quando o cozinhamos. Fundamentalmente vamos
torná-lo mais digerível (e mais saboroso, claro!). E ele fica mais digerível porque
alteramos a estrutura dos seus grânulos. Quando aquecemos, a energia introduzida
no sistema leva a que muitas das ligações químicas entre as moléculas de
amilose e de amilopectina se quebrem e que a água consiga introduzir-se nos
grânulos, fazendo-os aumentar de volume (inchar). Até parece que parte da água que
estava no tacho desapareceu.
Continuando a aquecer conseguimos mesmo que alguns
grânulos rebentem
e larguem principalmente amilose para a água de cozedura. Para nós, tudo se
simplifica; as nossas enzimas têm dificuldade em actuar sobre um amido intacto
(amido nativo), mas já lhes é mais fácil vir a degradar o amido gelatinizado,
designação de um amido que foi sujeito à combinação de água e calor.
Fascinante,
não é? Quem diria que tudo isto se passava na sua canja…