Este é o último post sobre o Bacalhau à Zé do Pipo. Falemos então do puré de batata. Ao cozer as batatas também está a proceder à gelatinização do amido da batata. Mas o que se calhar não sabia é que o sabor da batata, apesar de discreto, resulta da presença de um elevado número de compostos químicos que têm nomes tão estranhos como 2,3-dimetil-5-etilpirazina ou 4-hidroxi-2,5-dimetil-3(2H)-furanona. Muito mais se poderia dizer, mas fiquemos por aqui porque temos que falar da maionese.
Fazer maionese é preparar uma emulsão. Sabemos bem que o azeite e
a água não se dão. Nem bem, nem mal; não se dão mesmo. Basta adicionar um pouco
de azeite a água e, mesmo mexendo a mistura muito bem, passado pouco tempo lá
vai cada um deles para o seu lado: o azeite em cima (uma vez que é menos denso)
e água em baixo. Diz-se que a mistura se separa em duas fases. E nada os
convence a estabelecerem uma relação amigável. Bom, nada não é a palavra certa,
como iremos ver…
De uma maneira muito simplificada, podemos dizer que há
substâncias que gostam da água e outras não. Esta “atitude” tem a ver com as
características das suas moléculas: se têm carga eléctrica distribuída de forma
assimétrica, com certas zonas positivas e outras negativas (polaridade), a água
é para elas uma atracção. Se tal não acontece, as moléculas são apolares e nada
na água as atrai. E é isso que se passa com o azeite e a água; são constituídos
por moléculas com características diferentes, que não se ligam umas com as
outras.
Mas, se vez de água se usar
uma gema e um pouco de vinagre, produtos com bastante água (a gema tem cerca de
50% e o vinagre é quase só água), e mexermos energicamente a mistura, tudo se
resolve. Acabamos com um preparado macio e espesso. Tudo isto porque na gema
existem moléculas com duas zonas bem definidas: uma polar e outra apolar, ou
seja, uma que se liga facilmente à água (hidrofílica) e a outra ao azeite
(hidrofóbica), formando assim uma ponte entre substâncias imiscíveis, ou seja,
que não se misturam. Essas moléculas são um fosfolípido (a lecitina) e algumas proteínas
e dá-se-lhes o nome de emulsionantes e ao sistema obtido, uma emulsão. Para dar
estabilidade a esta ligação é necessário que as gotículas sejam muitas e muito
pequenas. Só assim elas, com o emulsionante a rodeá-las, ficam seguras e
imobilizadas.
Ao aquecer a maionese no forno, e se esta tiver sido feita com as
proporções correctas, as proteínas do ovo vão ligar-se entre si e formar uma
rede, obtendo-se um gel que retêm a emulsão de gordura, ficando a maionese com
uma textura diferente e muito agradável.
A batata e a maionese vão também ficar douradinhas, o que vai
originar um sabor e aroma muito agradáveis. Isso é o resultado de uma série de
reacções químicas complexas, as reacções de caramelização dos açúcares e as
reacções de Maillard, que a temperaturas elevadas se dão entre os açúcares e os
aminoácidos das proteínas da batata e maionese. Destas reacções resultam
moléculas que, além da cor, dão também um sabor agradável.
Não acha admirável como empiricamente se aprendeu a controlar
todos estes fenómenos e como as receitas tradicionais, passadas de geração em
geração, o demonstram?
Estas receitas usam técnicas correctas e que podem ser explicadas
a nível molecular. Elas foram desenvolvidas por tentativa e erro, e as pessoas,
sem saberem nada das moléculas que compunham os alimentos, conseguiram chegar
aos melhores resultados. Foi assim também que a química evoluiu. Inicialmente
as descobertas eram feitas um pouco por acaso ou como resultado de um processo
empírico.
Se tiver curiosidade veja também estes posts mais antigos
sobre batatas:
sobre a gelatinização do amido:
sobre a maionese:
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